Ilustração @mao.negra

ARTIGO| A vulnerabilidade da mulher vítima de violência doméstica nas varas de família

Por Andréia Espíndola: assistente Social do TJSC desde 2001, também integra o Coletivo Valente formado por servidoras do Poder Judiciário de SC.

A vulnerabilidade da mulher vítima de violência doméstica é  reconhecida pela lei, nas falas de profissionais vinculados a rede atendimento, por juristas e pesquisadores  de diferentes áreas que estudam esta temática.   

As expressões corporais e faciais da mulher retratada na capa do ‘’ Protocolo com Orientações para Escuta Humanizada e não Revitimizadora da Mulher em Situação de Violência’’, protocolo este fruto  de um grupo de trabalho interinstitucional capitaneado pelo TJSC, sinaliza para um estado de tristeza e fragilidade.

O livro da magistrada catarinense Ana Luisa Schmidt Ramos “ Violência Psicológica Contra a Mulher: O Dano Psíquico Como Crime de Lesão Corporal” esclarece que a vítima de violência doméstica não sai ilesa, que  esta poderá sofrer danos psicológicos,  bem como  sintomas do Transtorno de  Estresse Pós-Traumático. [1]

Apesar de existir um consenso a respeito da vulnerabilidade da mulher vítima de violência doméstica  não temos notícias de  um protocolo para atendimento deste segmento nas Varas de Família brasileiras ou catarinenses, um olhar mais atento as   peculiaridades deste momento pós- rompimento do ciclo da violência.

Consultando os sites  eletrônicos dos Ministérios Públicos Estaduais da região Sul do Brasil verificamos que nenhum deles dá publicidade, lista entre as atribuições dos Promotores e das Promotoras da área de Família  da necessidade de se manifestarem nas  ações judiciais   que figure como parte vítima de violência doméstica nos termos da  Lei Maria da Penha  e ainda  mais recentemente da Lei nº 13.894 de 29 de outubro de 2019. [2]

Defensores públicos, assistentes sociais e promotores de justiça que trabalham com mulheres vítimas de violência doméstica costumam pontuar que a designação de audiências de conciliação, mediação em Varas de Família para este segmento não são apropriadas em decorrência da falta de igualdade, de isonomia entre as partes, bem como da falta do devido empoderamento da  mulher  para realizar negociações contudo estas ainda continuam sendo designadas, acontecendo.

Érica Canuto, Promotora de Justiça no Estado do Rio Grande do Norte, em notícias veiculadas referentes ao III Congresso Gênero, Família e Direitos Fundamentais, promovido pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família, no início de março de 2023,  de forma online, pontuou que algumas mulheres com medidas protetivas de urgência são intimadas para comparecer à audiência de conciliação ou sessões de mediação frente a frente com o autor da violência. Destacou ainda que alguns “acordos” são celebrados por medo. “Mulheres abrem mão de direitos e dizem que querem ficar em paz.” Pontuou ainda compreender que  é preciso ter perspectiva de gênero para a garantia da proteção integral da mulher em situação de violência também no juízo de família.


[1] RAMOS, Ana Luisa Schmidt. Violência Psicológica Contra a Mulher:  O  Dano Psíquico como  Crime de Lesão Corporal. 2ª ed. Florianópolis. EMais, 2019.

[2] Infelizmente ainda ocorre de Promotores de Justiça declinarem de se manifestarem nestes processos.

Ruim que quando a mulher vítima de violência doméstica percebe que sofreu perdas patrimoniais em seu processo de divórcio em decorrência de seu estado de vulnerabilidade e ainda por falta de resguardo dos profissionais que atuaram em seu processo ( advogados, membros do Ministério Público e Magistrado) encontra portas fechadas para rediscutir a questão. As raras mulheres que conseguem reunir forças, recursos econômicos, bem como os riscos de sofrerem novas violências e batem novamente nas portas do Poder Judiciário costumam receber como resposta que eram capazes, estavam acompanhadas de advogados e o que ocorreu foi apenas “mero arrependimento.”

A advogada e professora de Direito Paraibana Ana Virginia Cartaxo Alves ( 2021) ressalta que: “… pela gravidade que a violência contra a mulher representa na sociedade brasileira, sendo imprescindível a tutela da vulnerabilidade da vítima em todos os contextos, ainda que a legislação vigente imponha o nexo entre a ameaça e ratificação do negócio jurídico, entende-se que a violência intrafamiliar contra a mulher a coloca em posição de vulnerabilidade, de modo que a expressão de seu consentimento real resta prejudicado, ainda que a coação sofrida não seja diretamente relacionada com sua expressão de vontade para pactuação do contrato conjugal.’’

Percebemos que somente mais recentemente começaram a aparecer subsídios para as mulheres que sofreram violência patrimonial em seu processo de divórcio, divisões de bens desproporcionais, voltarem as portas da justiça para solicitarem anulação de acordos: o reconhecimento científico que a violência doméstica, psicológica ocasionam danos psíquicos, prejuízos cognitivos, estudos a respeito da vulnerabilidade da mulher vítima de violência familiar como causa da invalidade de contratos conjugais e mais recentemente o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero.

Enquanto assistente social trabalhadora do Sistema de Justiça me questiono será que os Tribunais estão sendo justos, corretos?? Incentivam as mulheres a denunciarem violência doméstica mas não possuem maior  perícia para perceber o estado de vulnerabilidade das mesmas, um protocolo de atendimento para poupa-las  de sofrerem revitimizações nas Varas de Família, critérios para homologação de acordos, interlocuções com as Varas Criminais ou de Violência Doméstica.  Acredito que o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero que foi lançado pelo Conselho Nacional de Justiça, em outubro de 2021, chegou para provocar o sistema de justiça a ser repensar, a realizar reparações e a viabilizar respostas mais justas  às mulheres, uma rota menos crítica. Estudar este documento é urgente e  muito necessário para todos os profissionais que compõem este sistema.

[3] A Procuradora de Justiça Ivana Farina Navarrete Pereira, ex-conselheira do CNJ e Coordenadora do Grupo de Trabalho que elaborou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero coloca que numa divisão patrimonial injusta, desprorporcional  nos não temos apenas o caso de uma mãe violentada, a situação de uma mulher, nós  temos a situação dos filhos e das filhos, dos avôs e das famílias. Ver: Audiência Pública extraordinária realizada em 16/12/2021 pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher  a respeito do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero conduzida pela deputada federal catarinense Carmem Zanotto. Transmitida  pela TV Câmara.

[4] CARTAXO, Ana Vírginia Cartaxo Alves. Vulnerabilidade da Mulher Vítima de Violência Familia como Causa de Invalidade dos Contratos Conjugais. Artigo apresentado por ocasião do II VCAM  Seminário e Mostra de Pesquisas  Contra as mulheres, em outubro de 2021.

[5] Acreditamos que a  questão das cobranças   por produtividade, números, metas  tem comprometido a possibilidade dos profissionais de realizarem um atendimento mais cuidadoso com pessoas em situação de vulnerabilidade, um atendimento mais  humano e ético ( elementos indispensáveis para profissionais que trabalham em áreas sensíveis).

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