Caso você pretenda ir para a Europa, não deixe de visitar a Polônia (27,5%), Espanha (26,1%), Portugal (22,3%), Croácia (22,1%) e Holanda (20,6%). Vá aos pontos turísticos. E conheça também os trabalhadores desses países. Pela ordem, e conforme os percentuais entre parênteses, eles detêm o triste recorde de trabalhadores precários do Velho Mundo.
Na Europa há trabalhadores precários e os mais precários. Estes últimos se enquadram nas seguintes características: insegurança na continuidade do trabalho e a falta de direitos sociais, designadamente ausência de descontos para a reforma (reforma é como os portugueses chamam a aposentadoria), ausência do salário quando se está doente, horários irregulares, excesso de horas de trabalho, ausência de subsídio de desemprego e de subsídio de férias. E décimo-terceiro salário eles nunca cogitaram.
Somente trabalhadores pagam conta da crise
Os países apontados acima chegaram a esses percentuais de trabalhadores precários porque enfrentaram crises sistêmicas adequando suas economias do mesmo jeitinho que o governo Temer está fazendo aqui nesse momento, com as reformas trabalhistas da cidade e do campo, previdenciária, Emenda Constitucional do Teto, e terceirizações ilimitadas.
Em lugar de buscar recursos para financiar o Estado com quem tem, como os donos das grandes fortunas, os rentistas, os grandes proprietários de terras, os donos de bancos, a bolsa de valores e os multimilionários empresários, a opção foi tirar dos trabalhadores e dos pobres, desregulando relações de trabalho e acabando com investimentos sociais.
Um livro trata das relações de trabalho na Europa e toca com consistência o trabalho precário e como ele faz mal às pessoas. Também com consistência, uma pesquisa foi apresentada no IV Congresso Português de Sociologia, e aborda o trabalho precário. Mais do que os consistentes dados da obra de 2010 é a afirmação de que os trabalhadores não encontram nas autoridades uma saída para acabar de vez com a condição precária das relações de trabalho.
Dentre os países da lista do primeiro parágrafo, vamos olhar mais para Portugal.
Em Portugal, quase um quarto dos trabalhadores está hoje no trabalho precário. Este tipo de relação de trabalho está regulado, para espanto de qualquer um, a partir de reformas neoliberais ocorridas nos anos de 1970 e 1980.
Em Portugal, a Associação de Combate à Precariedade define como trabalhador precário “uma pessoa que está numa relação laboral, num contexto em que não consegue ter uma série de direitos que estariam afetos a essa relação laboral, como por exemplo, a estabilidade, a remuneração garantida e periódica, o acesso a uma indenização quando deixa de estar vinculada e o acesso a um sistema de saúde”. Como dá para perceber muito bem, essa relação de trabalho não é somente precária, ela é excludente, beirando a escravidão. Pior de tudo, é que conta com a conivência do Estado.
A situação chegou a tal ponto que o governo português, tensionado por partidos progressistas no parlamento e pelos sindicatos, quer reduzir os contratos precários entre trabalhadores públicos. O governo não sabe ao certo quantos são, mas calcula que em torno de 500 mil, excetuando-se professores e trabalhadores de municípios.
Para realizar a tarefa, o governo português debate a questão com a Frente Comum de Sindicatos da Função Pública. Ele pretende implementar, veja que ridículo, o Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários da Administração Pública.
O Estado é mínimo, o salário bem baixo e não há nenhuma garantia para o trabalhador, que é uma pessoa, um ser humano como eu e você.
Depois de estabelecer regras para o trabalho precário anos atrás, ouvindo as recomendações do tal “mercado”, o governo português quer voltar em 2017 a uma mais ou menos relação de trabalho consistente e com garantias aos trabalhadores. Para começar, a primeira proposta do governo de Portugal é que ao fazer concurso público, os então ex-precários começam a vida de trabalhador público com estabilidade e outras garantias, porém na base da carreira e com salário congelado.
Enquanto o governo não resolve como vai seguir as regras internacionais de trabalho digno, na iniciativa privada a coisa é ainda pior. Além das condições dos muitos precários, como dito acima, trabalhadores portugueses trabalham com um tal “recibo verde”.
Diz um texto do site Visão Solidária, que defende o emprego de qualquer forma, desde que haja emprego: “Portugal é um oceano de trabalho temporário, informal e com contratação por tempo determinado ou intermitente. Mas são muito impressionantes os números de recibos verdes, o que envenena todo o mundo laboral”.
O recibo verde de lá nada mais é do que o nosso PJ (Pessoa Jurídica) daqui. Com o esboroamento das garantias legais para os trabalhadores portugueses, as empresas utilizam os recibos verdes como empregados. Desta forma, passam toda a conta dos encargos para os trabalhadores, apesar de manter uma relação de emprego formal, com local de trabalho, subordinação e jornada de trabalho para os seus recibos verdes.
Em Portugal são perto de 800.000 os trabalhadores que passam recibos verdes. Todos os meses! Pode-se falar de uma autêntica “praga nacional” dada a relação pouco equilibrada entre os direitos e os deveres associados a esta relação laboral.
Depois de quase 4 décadas convivendo com a miséria na relação de trabalho, em Portugal algumas vertentes, especialmente vindas da Política, querem criminalizar a precariedade, porque os seus efeitos estão muito longe de ficar somente na relação de trabalho. Além da instabilidade e da dificuldade de subsistência com salários baixos, os trabalhadores precários enfrentam problemas de ansiedade, depressão, esgotamentos e até obesidade.
Para destrancar essa pauta, porém, outras terão que cair junto. Exemplo disso é a questão da ação judicial do trabalhador que sente ter tido direitos lesados e vai contra uma empresa. Para poder fazer isso, primeiro o trabalhador tem que devolver todo o dinheiro que recebeu da empresa e esperar uma decisão definitiva, que pode levar anos.
Uma revista portuguesa repetiu recentemente a receita para barrar a precarização e trazer de volta uma regulação equilibrada para os contratos de trabalho:
Como reagir
Embora seja o elo mais fraco da relação laboral, o trabalhador precário pode reagir. Das três formas, sabe qual é a primeira?
1. Sindicalizando-se
Hoje imperam os preconceitos em relação aos sindicatos, mas ainda não se descobriu um modo melhor de defender quem trabalha. Além do apoio jurídico, que prestam habitualmente de forma gratuita aos associados, as organizações laborais dão uma dimensão de pertença que ajuda a enfrentar os problemas surgidos nos locais de emprego.
Embora nem todos os sindicatos tenham o nome da profissão que se exerce, a maioria das funções estão representadas por algum organismo sindical. A ninguém pode ser vedado o direito a pertencer a um sindicato. As outras duas são:
2. Informando-se
Buscar informações para não ser enganado
3. Buscando apoio
Recorrer a instituições, como a Ordem dos Advogados, em busca da defesa de direitos.
O Brasil está a um passo de entrar nesse pântano que vivem os trabalhadores do serviço público e da iniciativa privada na Europa. Não podemos deixar que isso aconteça. Venha e participe do Sindicato. É o primeiro passo para defender os direitos dos trabalhadores do judiciário, e um grande passo para defender todos os trabalhadores brasileiros.
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Fragmentos
Difícil demitir
Apesar de todas as questões apresentadas rapidamente no texto acima, portugueses afirmam que é comum ouvir dizer que o mercado de trabalho em Portugal é pouco flexível.
A palavra precário
Este estudo verifica o que é trabalho precário com cuidado, uma vez que precariedade, em países não latinos, esteve ligada às condições das famílias em relação ao seu ambiente. Veja. É interessante como tudo acaba em contratos ruins de trabalho, insegurança no emprego, perda de direitos, salários baixos e descontinuidade de empregos.
Alerta
Este não é um texto de ficção. As informações foram extraídas de publicações europeias, inclusive da Eurostat. Aprofunde a leitura. Use como palavra-chave trabalho+precário+Europa, ou um país específico. E, sabendo mais, lute mais para que não cheguemos ao fundo do poço da exploração.
(Foto Luís Efigénio / NFACTOS / Arquivo VISÃO)