Reforma da previdência: um agrado ao sistema financeiro em detrimento de quem vive do seu trabalho

Por Tamara Siemann Lopes

Quando falamos de reforma previdenciária, a primeira ideia que surge para a maioria das pessoas é que o governo quer aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição. Entretanto, estes aspectos são apenas alguns dos itens nefastos que a reforma proposta pelo atual governo traz para os trabalhadores. Além de aumentar a idade mínima e o tempo de contribuição de todos os trabalhadores, haverá uma mudança no cálculo do benefício, que fará com que todos devam contribuir por 40 anos se quiserem receber o benefício integral. Além disso, o cálculo vai rebaixar os valores, porque não será mais feito com o expurgo das 20% menores contribuições. Estes três aspectos, redução dos valores dos benefícios, aumento da idade mínima e aumento do tempo de contribuição, entretanto, não esgotam as perversidades da reforma da previdência.

O que está em jogo desta vez é o total desmonte da previdência pública, a sua privatização e o fim do regime de repartição, que constitui o aspecto solidário da nossa previdência, onde os ativos contribuem para o pagamento dos inativos. Bolsonaro e Paulo Guedes querem acabar com isso, capitalizando e privatizando a previdência social. Com a reforma, querem que cada um contribua para a sua própria aposentadoria, e estas contribuições sejam geridas como fundos de investimento, sendo remuneradas pelo risco de mercado que sofrem. Ora, torna-se evidente que se tratando de investimentos de risco, uma eventual crise financeira (que é comum no sistema econômico atual caracterizado por crises cíclicas) fará as aposentadorias evaporarem no ar. Foi isso que aconteceu no Chile e no Peru em 2008 e na Argentina em 2001-02. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em seu mais recente estudo sobre a capitalização:

Os sistemas privados de contas individuais transferiram o ônus dos riscos sistêmicos para o indivíduo, deixando o trabalhador arcar com os riscos de investimento, de longevidade e de inflação. No Chile, na crise de 2008, as AFPs perderam 60% de todas as prestações acumuladas entre 1982 e 2008. Na Argentina, a crise financeira doméstica de 2001-02 levou a uma diminuição de 44% nos fundos de previdência privados. No Peru, os ativos dos fundos de aposentadoria privados caíram 50% durante a crise financeira de 2008, já que os gestores privados haviam investido os fundos em instrumentos de alto risco. Em alguns países, o Estado precisou intervir para compensar aposentadorias que deveriam ter sido pagas pelo sistema privado. Por exemplo, em 2008, o governo chileno teve que pagar complementos de aposentadoria. No mesmo ano, 77% dos pagamentos de aposentadorias foi feito pelo governo argentino, para cobrir integralmente 445.000 aposentados do pilar privado, bem como parcialmente com pagamentos adicionais a 179.000 aposentados para manter a garantia de aposentadoria mínima.

Outro aspecto nocivo da capitalização se refere aos custos administrativos. O mesmo estudo da OIT mostra que houve um aumento brutal destes custos:

A previdência social brasileira não se trata de um mero sistema de seguro individual: ela é uma política pública, mantida pelas contribuições dos trabalhadores, dos empregadores e dos tributos, que protege os trabalhadores e os mais pobres e cujo objetivo é diminuir as desigualdades sociais, no contexto de um dos países mais desiguais do mundo. Trata-se, portanto, de uma política pública que integra o sistema de seguridade social. Conforme demonstrou a CPI da Previdência, este sistema tem sido espoliado por Desvinculações de Receitas da União (DRU), que entre 2000 e 2015 desviou (legalmente) R$ 614 bilhões da previdência. Somado a dívidas e sonegações, estes desvios alcançam R$ 3 trilhões nos últimos 20 anos. O suposto déficit, se formos ignorar todos estes desvios, teria ainda assim iniciado apenas em 2016, devido à grave crise econômica que assolou o país e diminuiu brutalmente o número de contribuintes, que caíram no desemprego e na informalidade. Agora, o governo propõe como solução para a crise deprimir ainda mais a demanda da economia, diminuindo o valor dos benefícios e prolongando o tempo de atividade laboral. Ora, não é a previdência que resolve a economia, pelo contrário, é a economia que resolve a previdência! Pleno emprego da força de trabalho, reforma tributária que retire os impostos do consumo e cobre da alta renda, fim dos desvios, cobrança dos sonegadores; essas são apenas algumas medidas que se aplicadas deixariam o sistema previdenciário completamente sustentável e garantiriam um maior bem-estar para a classe trabalhadora. Entretanto, o governo de plantão sequer tangencia alguma destas medidas, mas visa aplicar uma agenda econômica que contribuirá para tornar o país ainda mais desigual, aumentar o grau de exploração dos trabalhadores (formais, informais, pobres, classe média), tudo em benefício dos seus patrocinadores:as grandes empresas e banqueiros. Temer já tentou reformar a previdência, mas foi derrotado por duas greves gerais e uma ocupação em Brasília regada a bombas de efeito moral e gás lacrimogênio lançados de helicópteros. Entrando em cena, os trabalhadores e os estudantes mostraram a capacidade que a luta organizada tem de derrotar propostas contra o povo. É nesta organização popular que devem ser apostadas todas as fichas novamente.

Tamara Siemann Lopes, Economista do Dieese
Subseção dos Trabalhadores do Setor Público SC

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