Ilustração: Paula Schlindwein

Artigo|Ponderações acerca dos impactos da pandemia no trabalho não presencial

*Julia Gadotti

No âmbito do Poder Judiciário catarinense, o teletrabalho foi instituído no ano de 2014 por meio de um projeto experimental pioneiro entre os tribunais estaduais. A modalidade tem como embasamento três pilares, quais sejam, o incremento da produtividade, aumento da qualidade do trabalho e melhoria da qualidade de vida do servidor.[1]

O teletrabalho, segundo conceituação do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, constitui uma forma de trabalho realizado à distância, em local adequado, com a privacidade e a segurança exigida pelo serviço, mediante acesso remoto e utilização de tecnologias de informação e de conhecimento, com flexibilidade de horário e efeitos jurídicos equiparados àqueles decorrentes da atuação presencial[2].

Em consequência da evolução tecnológica e, notadamente, em razão da crescente tramitação eletrônica dos feitos, a possibilidade de efetuar o trabalho à distância já era realidade antes mesmo de a pandemia da COVID-19 ter início.

Os resultados positivos apresentados pelos servidores que haviam aderido ao programa já sinalizavam em favor do avanço e da ampliação da referida modalidade, cuja implementação acelerou em razão da crise sanitária. Desde o início dos trabalhos não presenciais, de forma excepcional, a Justiça catarinense bateu recordes de produtividade, economia e bem-estar dos servidores, conforme notícia publicada no site do Tribunal de Justiça de Santa Catarina[3].

Diante desse cenário, em outubro de 2020, a Resolução TJ n. 22, de 15 de agosto de 2018, foi alterada, abrindo espaço para outras modalidades de trabalho remoto, passando a prever o teletrabalho parcial e o home office, oportunidade em que o Presidente sinalizou que a intenção era manter o trabalho remoto como regra mesmo após a pandemia[4].

Por certo que essa medida de ampliação do trabalho não presencial não diz respeito apenas aos servidores públicos, trata-se de medida também adotada por diversas empresas privadas e tem se mostrado uma tendência que deve permanecer.

Os impactos gerados por essa modalidade transcendem a relação entre Poder Público e servidores e entre empregados e empregadores. O fato de as pessoas não precisarem se fazer fisicamente presentes nos locais de trabalho influencia de incontáveis formas na vida das pessoas, seja na construção das relações interpessoais, na organização da rotina e da casa, bem como na necessidade do maior uso da tecnologia, do aprimoramento dos sistemas e do treinamento.

Se por um lado o trabalho remoto pode trazer diversos benefícios a ambos os lados de uma relação de trabalho, há que se dar a devida atenção às desvantagens do teletrabalho e aos efeitos ainda não conhecidos de seu prolongamento.

Aspectos negativos do trabalho remoto já podiam ser percebidos anteriormente, todavia, nesse contexto da pandemia, alguns deles se tornaram ainda mais evidentes. A jornada de trabalho sem limites temporais somou-se, para maior parte dos servidores do Judiciário catarinense, à migração de sistema e à necessidade de adaptar seus lares para abrigar um espaço de trabalho, tudo isso em um momento em que foram estabelecidas medidas de distanciamento físico e de permanência em casa.

No âmbito doméstico, novas demandas surgiram, a exemplo da necessidade de acompanhamento dos filhos em idade escolar, compartilhamento da estação de trabalho, atenção especial ao aumento da higienização e limpeza, enfim, imperiosa readequação das atividades diárias frente às limitações impostas.

Indubitavelmente, a invasão repentina do espaço doméstico e familiar pelo trabalho profissional é experimentada de diferentes formas e com diferentes desafios, a depender das circunstâncias vivenciadas na esfera pessoal e profissional.

Embora a possibilidade de conciliar trabalho profissional e atividades familiares seja um dos itens mais citados como vantagens do trabalho remoto, ensaio publicado pela Revista Brasileira de Saúde Ocupacional sugere que Com relação ao gênero, é provável que a ausência de fronteiras de tempo e espaço entre as funções seja ainda mais perturbadora para quem responde pelas demandas familiares. É provável, então, que o TR seja mais prejudicial às mulheres, sobretudo para aquelas com crianças pequenas e para mães solteiras. Estudos empíricos corroboram essa hipótese. Entre trabalhadores(as) da Bélgica, quem tinha crianças em casa estava menos satisfeito com TR; na Polônia, 82% das mulheres mães de crianças pequenas indicaram dificuldades de TR[5].

Além disso, diversos fatores apontam para a necessidade de aprofundar o debate sobre o chamado direito à desconexão, também denominado de direito ao desligamento, relativo à limitação dos contatos remotos com os trabalhadores que atuam à distância. A propósito, relatório da Organização Internacional do Trabalho sugere a introdução do referido direito para garantir que os limites entre o trabalho e a vida privada sejam respeitados[6].

A ampliação do trabalho não presencial demonstra que o Tribunal está alinhado à tendência mundial, adotando uma modalidade que, sem dúvidas, traz inúmeras vantagens para todos os envolvidos e tem resultado em diversos recordes de produtividade nesse período de pandemia, contudo, o diálogo permanente entre a Administração e os servidores deve ser priorizado para que os excelentes resultados possam ser mantidos a longo prazo.

Como todo o projeto inovador, há diversos pontos pendentes de uma melhor apreciação. Destacam-se, em debates informais dos quais participei com colegas, a necessidade de critérios mais específicos para a fixação das metas, a fim de que as diversas funções e atividades possam ser equitativamente apreciadas; maior suporte para questões psicossociais e físicas, no sentido de assegurar a saúde do servidor; e a ânsia por reconhecimento e trabalhos voltados à integração da equipe.

*Nomeada técnica do judiciário auxiliar em 2011, em teletrabalho desde 2019, lotada no Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca da Capital, pós-graduada em Direito Público pela FURB (2013) e Direito Processual Civil pelo Instituto Damásio de Direito (2021).


[1] https://www.tjsc.jus.br/web/servidor/teletrabalho.

[2] https://www.tjsc.jus.br/web/servidor/teletrabalho.

[3] https://www.tjsc.jus.br/web/imprensa/-/pjsc-inova-ao-regulamentar-trabalho-nao-presencial-atraves-do-teletrabalho-e-home-office?p_l_back_url=%2Fpesquisa%3Fq%3Dhome%2Boffice%26category%3D3552887.

[4] https://www.tjsc.jus.br/web/imprensa/-/pjsc-inova-ao-regulamentar-trabalho-nao-presencial-atraves-do-teletrabalho-e-home-office?p_l_back_url=%2Fpesquisa%3Fq%3Dhome%2Boffice%26category%3D3552887.

[5] https://www.scielo.br/j/rbso/a/LQnfJLrjgrSDKkTNyVfgnQy/?lang=pt&format=pdf.

[6] https://www.ilo.org/brasilia/noticias/WCMS_766231/lang–pt/index.htm.

PUBLICAÇÕES DA REVISTA VALENTE|

Esse texto foi originalmente e de forma exclusiva, escrito para a 6ª edição da Revista Valente. Para ler o artigo na revista ou ouvir o áudio texto, CLIQUE AQUI.

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