De acordo com Sônia Fleury, militante histórica do movimento sanitarista no Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS), idealizado nos anos 70, é quase integralmente transposto para a Constituição de 1988, mas só é estruturado nos anos 90.
Em seguida, a pesquisadora da Fiocruz lembra que a última década do século XX é marcada pela narrativa política de austeridade que se materializou na redução dos investimentos públicos na área social por parte dos governos brasileiros e nas privatizações, entrega de setores produtivos estratégicos para o capital estrangeiro.
Por isso, ainda que a concepção de saúde coletiva e o direito universal ao atendimento público de saúde façam parte até hoje da Carta Magna, essa grande vitória do movimento social e da população acabou sendo prejudicada no momento da implementação dela durante a década de 1990.
Esse é um fator que contribuiu para os problemas estruturais de um sistema concentrado em tratar sintomas e doenças ao invés de desenvolver políticas públicas de prevenção, resultando, por exemplo, na demora no atendimento emergencial, na falta de médicos, em filas de cirurgias e etc.
Ainda de acordo com Sônia, outro fator que contribuiu para aprofundar essas falhas foi o enfraquecimento de dois pontos importantes no processo de constitucionalização do SUS por pressão do setor privado brasileiro e estrangeiro: a saúde do trabalhador e o licenciamento de medicamentos.
Se por um lado, a maior parte do empresariado brasileiro, recém saído da ditadura militar, só tolerava a “democracia da porta para fora da empresa”, por outro, a indústria farmacêutica multinacional preferiu manter o Estado apenas com a função de “regular” o mercado de drogas lícitas no Brasil.
“O TRABALHO ADOECE E MATA”
Para Maria Maeno (Fundacentro), que também participou do debate “A Saúde Será Coletiva ou Não Será” durante o Seminário internacional “Por Um Fio” nesta sexta, 30 de agosto, “o trabalho adoece e mata”.
A pesquisadora acredita que o desinteresse em relação às questões ligadas à saúde do trabalhador e da trabalhadora não é uma exclusividade de empresas privadas, o setor público também insiste na negação dos prejuízos causados pela rotina laboral na saúde física e mental das pessoas.
Apesar de a saúde do trabalhador constar no art. 200 da Constituição como um dever do SUS, Maria constata que na prática, governos e órgãos fiscalizadores não podem ou não querem se indispor com setores que concentram tanto poder econômico quanto político.
Por fim, Maeno reforça a necessidade do movimento social se rearticular para dar consequência e efetividade para dispositivos legais como, por exemplo, a Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT), que podem forçar empresários e gestores públicos a assumir as responsabilidades que têm sobre a saúde e segurança de trabalhadoras e trabalhadores.